segunda-feira, 14 de junho de 2010

Divagações I


Independente do que pareça, esse trabalho é íntimo, é sensível e é também, interno.

Muito do que externalizo nasce aqui dentro. Ou já nasceu e habita em mim há tempos e terras esquecidamente percorridos.

As sensações que suas retratações me causam são apenas minhas. O modo como transbordo-as é apenas meu. E tudo isso é tão particular quanto o próprio desenho. Por mais que outras pessoas se reconheçam, aí também nada é igual. O movimento de reconhecer-se acontece, também, de forma única e diferente em cada indivíduo.

Seus retratos me causam. Como isso poderia ser senão pelas percepções que me reavivam e me recordam?

Identificar-me em ti é um identificar-me em mim. É um constante autodescobrimento, um constante re-memorar, um constante re-descobrir.

É um trabalho de subjetivação.
O teu subjetivo desperta o meu, construído em bases nem sempre palpáveis, nem sempre agradáveis, nem sempre firmes, resolutas ou bem estruturadas.
Não é possível excluir desse entendimento minha própria visão de mundo, minha história, meu mundo.
São mundos trans e intransitáveis, porém coexistem. Assim como milhares de outros, que seguem, no caos, e às vezes se reconhecem.
Subjetivo é o caminho que interliga-os, é a ponte que os corresponde.

Por mais que o interno não existisse, como não ser autobiográfico apenas pelo corpo?

Esse corpo que me acompanha desde sempre...
Um corpo de rastros.
Rastros de existências e instantes. Um corpo marcado pelos meus instantes.
O corpo é memória - a memória mais forte e mais inexplorada que possuímos. O corpo é uma série de mecanismos e relações tão complexos que todo estímulo ou referência externa o modifica. E, por isso, ele é memória. Porque ele é o registro físico de tudo por que passamos. Porque tudo interfere nele. E, memória inexplorada por não tomarmos (e nem ser possível tomarmos) conhecimento de tudo o que ele já absorveu e ainda absorve.
Esse corpo conta sobre mim. Conta, pela minha torteza, meu hábito de posturas inadequadas. Conta instantes forjados na infância em que eu brincava brincava brincava até me machucar, pois tem, até hoje, esses cortes e ferimentos memoriados na pele. Conta, até, aonde mais me incomodava a catapora. Conta, conta, conta . . .

E se o corpo, por si só, já é a materialização da história de uma vida, como não a ser, em potencial, o movimento?

Eu sou meu movimento e meu movimento sou eu. A dança é, na verdade, uma dança de si mesmo. Pois eu danço, justamente, meu modo de ver o mundo, de enxergar as coisas e me relacionar comigo e com o outro.
Meu movimento é minha necessidade de pausas, meus momentos de interioridade, minhas explosões como que para me libertar, minha densidade e minha força, minha tensão e meu mostrar que acredito, que quero, que me dói e me alegra a existência.
Minha dança é tudo isso, meu movimento é, minha vida é, eu sou.

E aí, não importa se há um tema, uma sequência, uma ordem, uma regra. A dança será sempre minha.

E será sempre biográfica.

E me lembrará - e me lembra sempre - meu pensar, meus silêncios e minha coisa de pouco falar.

Pronto.

Falei.

9 comentários:

  1. quantas coisas o teu corpo me conta apesar do pouco falar. como fala esse corpo e como grita. quantas coisas VOCÊ me conta apesar de falar tão pouco. quantas histórias me conta e como me fala com o olhar. como é bom te ver diluída ao mundo, sempre a dançar .....

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  2. Dança é tudo isso... Movimento, vida, verdade, pausas, interioridade, explosões, densidade, força, tensão, alegria, respirar, estar, conectar, singular, particular.

    Sou, eu.

    Sou, tu.

    Somos nós.

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  3. Lindo Lindo texto.
    Menina linda essa de poucas palavras (preciosas palavras, preciosos movimentos)

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  4. Muito bonito mesmo o texto Mari!! Pensamentos a mil por hora! Que ótimo!

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  5. muito bonito Mari! Muito fluido e honesto e adoravel e,e,e,e.....muito mais!!!

    Para intender mais eu usei google tradutor : ) Legal isso!

    beijos

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  6. obrigada pela oportunidade de vida. memoria agora. bom trabalhar o agora contigo. contigos.

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  7. Obrigada vocês, por fazerem parte de tudo isso!

    Amo-os.

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  8. Mari =)
    apesar de tão autobiográfica, sua dança também é muito nossa :)
    vê-la dançar na terça foi tão apreciável, bonito, intenso... 5 segundos que mudaram!

    Grandes e poderosas palavras, movimentos teus, nossos...

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