Levanto-me suave como um sopro, ergo minha cabeça de flor e sonolenta, os pés leves, atravesso campos além da terra, do mundo, do tempo, de Deus. Mergulho e depois emergo, como de nuvens, das terras ainda não possíveis, ah ainda não possíveis. Daquelas que eu ainda não soube imaginar, mas que brotarão. Ando, deslizo, continuo, continuo... Sempre, sem parar, distraindo minha sede cansada de pousar num fim. - Onde foi que eu já vi uma lua alta no céu, branca e silenciosa? As roupas lívidas flutuando ao vento. O mastro sem bandeira, ereto e mudo fincando no espaço... Tudo à espera da meia-noite... - Estou me enganando, preciso voltar. Não sinto loucura no desejo de morder estrelas, mas ainda existe a terra. E porque a primeira verdade está na terra e no corpo. Se o brilho das estrelas dói em mim, se é possível essa comunicação distante, é que alguma coisa quase semelhante a uma estrela tremula dentro de mim. Eis-me de volta ao corpo. Voltar ao meu corpo. Quando me surpreendo ao espelho não me assusto porque me ache feia ou bonita. É que me descubro de outra qualidade. Depois de não me ver há muito quase esqueço que sou humana, esqueço meu passado e sou com a mesma libertação de fim e de consciência quanto uma coisa apenas viva. Também me surpreendo, os olhos abertos para o espelho pálido, de que haja tanta coisa em mim além do conhecido, tanta coisa sempre silenciosa. Por que calada? Essas curvas sob a blusa vivem impunemente? Por que caladas? Minha boca, meio infantil, tão certa de seu destino, continua igual a si mesma apesar de minha distração total. Às vezes, à minha descoberta, segue-se o amor por mim mesma, um olhar constante ao espelho, um sorriso de compreensão para os que me fitam. Período de interrogação ao meu corpo, de gula, de sono, de amplos passeios ao ar livre. Até que uma frase, um olhar - como o espelho - relembram-me surpresa outros segredos, os que me tornam ilimitada. Fascinada mergulho o corpo no fundo do poço, calo todas as suas fontes e sonâmbula sigo por outro caminho. - Analisar instante por instante, perceber o núcleo de cada coisa feita de tempo ou de espaço. Possuir cada momento, ligar a consciência a eles, como pequenos filamentos quase imperceptíveis mas fortes. É a vida? Mesmo assim ela me escaparia. Outro modo de captá-la seria viver. (...)"
Clarice Lispector
in Perto do Coração Selvagem
Lendo esse trecho do livro lembrei-me do IMP. Dessa nossa trajetória - apenas iniciada e com tanto por percorrer! - desse processo que, na verdade, não tem fim. O descobrimento, mais do que do próprio corpo, de si mesmo. Das nossas relações metaforizadas em poemas. Dos poemas que a cada encontro construímos. Percebi que todos nós somos esse espelho ao que o texto se refere. E obrigado por refletirem sempre com tanta generosidade! E que a percepção apenas se amplia e se intensifica. E, por consequência, que a vida se intensifica. A nossa arte está aí, pulsando, crescendo, modificando, vivendo.
Que vivamos todos juntos!
Beeijos a todos e desculpem-me a demora
Que vivamos todos juntos!
Beeijos a todos e desculpem-me a demora
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